ENTREVISTA: Rede Cegonha da Serra Catarinense é exemplo de bons resultados

A enfermeira Daniela Rosa de Oliveira  é a coordenadora Regional da Rede Cegonha Serra Catarinense e conta nesta entrevista um pouco da trajetória de uma equipe (foto) empenhada que vem reduzindo significativamente os indíces de mortalidade infantil. No próximo dia 29 de maio haverá em Lages um Seminário de Práticas Exitosas para dar visibilidade a estas ações. Confira a entrevista.

A Rede Cegonha é uma estratégia lançada em 2011 pelo Governo Federal para proporcionar às mulheres saúde, qualidade de vida e bem estar durante a gestação, parto, pós-parto e o desenvolvimento da criança até os dois primeiros anos de vida. Tem o objetivo de reduzir a mortalidade materna e infantil e garantir os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres, homens, jovens e adolescentes. A proposta qualifica os serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no planejamento familiar, na confirmação da gravidez, no pré-natal, no parto e no puerpério (28 dias após o parto).

Há 23 anos, a taxa de mortalidade infantil em Lages e região era alarmante, contudo, com a implantação e implementação de medidas modernas de apoio e prevenção quando o bebê ainda está na barriga da mãe, os números estão sendo revertidos gradualmente. A Rede Cegonha teve papel crucial neste processo.

Em 2017 a taxa era de 14,33% na Serra e 11,24% em Lages. No início da Rede Cegonha, em 2014, quando tinha apenas um ano, a taxa era de 17,41% na Serra e 15,79% em Lages. Atualmente está em 12,98 na Serra, uma diminuição amplamente significativa. Em Lages, no ano de 1996 a taxa era de 26,97%, 98 óbitos por mil nascidos vivos. A taxa atual é de 9,8, segundo o DataSUS/Tabwin, sendo uma grande conquista. Cabe destacar que a  mortalidade infantil interfere no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, mortalidade baixa significa aumento do desenvolvimento.

Sobre a entrevistada – Gradua pela Uniplac, Daniela sempre focou os estudos e pesquisas na área da saúde da mulher e da criança, fator este que a conduziu para uma especialização Lato Sensu em Saúde da Família, pela Unisul e em Enfermagem Oncológica em Sistemas de Redes, com foco a Saúde da Mulher no âmbito da Atenção Básica, pela UFSC em 2010. Entre os anos de 2004 e 2007 atuou na UTI Neonatal do Hospital Tereza Ramos, em Lages, onde  vivenciar a realidade de um dos muitos espaços que perpassam a saúde da mulher e da criança. Na sua trajetória, fortaleceu estudos e intervenções profissionais no âmbito da Atenção Básica com várias funções inclusive na Secretaria Municipal de Saúde, até chegar 2014 e assumir também a Coordenação Regional do Grupo Condutor da Rede Cegonha Serra Catarinense o qual está até os dias atuais. Este ano está  cursando Mestrado em Enfermagem no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC e faz parte do Grupo de pesquisa GRUPESMUR – Grupo de Pesquisa na Saúde da Mulher e do Recém-Nascido.

Os municípios que integram a Rede Cegonha da Serra são: Anita Garibaldi, Bocaina do Sul, Bom Jardim da Serra, Bom Retiro, Campo Belo do Sul, Capão Alto, Cerro Negro, Correia Pinto, Lages, Otacílio Costa Painel, Palmeira, Ponte Alta, Rio Rufino, São José do Cerrito, São Joaquim, Urubici e Urupema.

– Qual o envolvimento dos profissionais de Enfermagem com a Rede Cegonha?
A Enfermagem tem papel importante na Rede Cegonha, de liderança e na composição no grupo condutor, bem como no território vivo, onde acontece o pre-natal e puerpério, ou seja, na Atenção Básica, e assim também no atendimento hospitalar, no parto, nascimento e puerpério imediato. O enfermeiro exerce papel importante na equipe multidisciplinar, e com a Rede Cegonha houve um significativo aumento das consultas de enfermagem de pre-natal de risco habitual e acompanhamento de pré-natal de alto risco concomitante ao atendimento médico da UBS e referencia, no atendimento domiciliar e na unidade parapuerpério e puericultura.  
O papel do Enfermeiro neste cenário, reforça a ampliação do acesso à informação na linha de cuidado materno-infantil, tonando-se uma missão não só profissional, mas também de cidadania, intrinsicamente ligados ao estimulo desenvolvido no território gerando múltiplas expectativas e evidenciando a cultura de valores, como ética, moral e de comportamento, deixando este plano sustentável. O Enfermeiro apresenta-se como elemento ativo da equipe de saúde, por exercer um papel educativo e contribuir para a ocorrência de mudanças concretas e saudáveis e, apesar das barreiras impostas, a consulta de enfermagem vem crescendo em importância e atuando cada vez mais forte em áreas diferenciadas.

Ao contextualizar este território, há a necessidade de entender o processo de trabalho do Enfermeiro para compor uma melhor estruturação das ideias a serem desenvolvidas na gestão do trabalho, inovando nas ferramentas de atuação que ampliem o comprometimento e transformação de suas práticas que permitam a atuação mais eficaz de medidas de intervenção, a partir da realidade local.

Os processos de gestão no trabalho do Enfermeiro proporcionam uma reflexão sobre a articulação do cuidado com o gerenciamento em saúde. Sendo este sujeito de transformação e de construção de políticas públicas sustentáveis, permitindo a manutenção e a longevidade das ações, tornando o território como espaço de diálogo e tomada de decisões.

Nesse sentido articulado com os demais profissionais da equipe, como médico, cirurgião dentista, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, profissionais do NASF, pode – se constatar a melhoria do acesso e qualidade para o pré-natal, redução da mortalidade infantil e avanços na implantação dos processos de Enfermagem.

 Quantos e quais trabalhos realizam?
– Os trabalhos são variados, como implantação de Protocolos e Diretrizes Clinicas, Educação em Saúde, Educação Permanente, Visitas Técnicas e recomendações técnicas com prazos e metas; Apoio Institucional e matricial as equipes de saúde, entre outros.
– Sobre o trabalho integrado, podes explicar um pouco mais como funciona? Antes eram câmaras técnicas e agora é um grupo ampliado. Como isso se desenvolveu e os resultados estão melhores?

Existem três Câmaras Técnicas que atuam na Serra Catarinense: a da Rede Cegonha (2013), o Comitê de Prevenção dos Óbitos Infantil, Fetal e Materno (2013) e o da Prevenção de Transmissão Vertical (2017). Atualmente estas três câmaras técnicas foram unificadas em 2018, criando-se um Grupo Ampliado com o intuito de trabalhar de forma integrada e intensificar as ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, bem como, atuar na investigação epidemiológica dos óbitos e da sífilis além de atuar na EP com visitas técnicas as equipes, oficinas e seminários melhorando os fluxos de acesso da população aos serviços de saúde.

Optou-se por focar nas principais causas e fatores de risco que deflagram a mortalidade infantil e o alto índice de sífilis congênita, o qual aponta necessidades de novos arranjos na gestão do cuidado com ações efetivas de apoio institucional e matricial de modo que a gestante e o recém-nascido tenham acesso garantido nos diferentes níveis de assistência.

Evidencia-se que o apoio institucional é um forte disparador de processos que propiciam o suporte ao movimento de mudança do coletivo e busca fortalecer, na lógica dos tutores-apoiadores, representando um diferencial para que esta significante mudança da prática assistencial e do processo de trabalho possa se orientar e se organizar para um novo caminho.

As Câmaras ainda se reúnem de forma individual para executar ações específicas de suas atribuições, mas uma vez por mês ha um encontro para compartilhar experiências, discutir problemáticas e traçar planos de ação de forma conjunta, tendo em vista que seus objetivos finais são os mesmos, ou seja reduzir a morbimortalidade infantil e materna. O grupo Ampliado foi criado por meio de liderança em enfermagem.

– São apenas 6 anos de atividade e já com excelentes resultados. É isso mesmo, qual sua avaliação deste trabalho? Comprometimento, gestão?
O sentimento não é de missão cumprida, pois é uma constante, envolve ciclos e devemos estar atentos, mas de orgulho, pois o trabalho é árduo e envolve muitos desafios, detalhes, muitas vezes de sensibilização, outras vezes de recomeço e retrocessos, mas muita persistência, amor, busca de aliados, comprometimento, respeito. O trabalho com nossa equipe só foi possível por que aliamos AFETO à ciência e inovação, temos profissionais com grande capacidade técnica que estão sempre atualizados mas que também criam novas saídas. Inovar nem sempre é inventar algo novo mas sim tornar uma solução velha em novos caminhos, muitas vezes a solução esta na mais simples atitude, e por vezes comportamental. Temos insistido muito que para uma equipe dar certo e consequentemente seus propósitos, devemos estar em constante monitoramento, avaliação e buscando saberes de diversos contextos, mas acima de tudo abrir mão de poderes para que a roda consiga girar. Vivemos em uma terra com diversos vazios assistenciais e de desenvolvimento, mas quando conseguimos conectar a força de trabalho ao conhecimento, tornamos ele significativo ai pode-se dizer que conseguimos milagres. Em todos os lugares que passamos o acolhimento e a devolutiva é intensa, tanto que estamos conquistando gradativamente resultados não só em números mas também paradigmáticos como empíricos, éticos, estéticos e de interrelações. Somos em 13 mulheres no grupo de trabalho e construímos uma relação que vai além de alinhar fluxos, estrategias etc, mas sim de tentar garantir a vida nos braços de uma família, comemoramos uma a uma e choramos quando perdemos alguma, pois ela não é um número. Em meus 15 anos de profissão o qual comemoro dia 07 de agosto de 2019 não poderia ser o melhor presente antecipado e também as minhas parceiras de luta, já ouvimos muitos nãos, já fizemos sozinhas, mas hoje temos muitos aliados pois conseguimos mostrar que a mudança de um indicador não se faz de forma verticalizada, mas sim agarrando todas as possibilidades mesmo aquelas menos remotas, de forma transparente, segura e com muito respeito.

Grupo Condutor da Rede Cegonha:

Daniela Rosa de Oliveira – Coord. Regional da Rede Cegonha Serra Catarinense -Enfermeira SMS Lages – SC

Daniela Silva – Enfermeira – SMS Lages – SC

Dayane Cristina Bordin – Enfermeira Obstetra SMS Lages – SC

Fernanda de Matia – Enfermeira e Gerente Assistencial HISB – SC

Georgia Parizzi – Cirurgiã Dentista SMS Lages – SC

Karen Cristina Pereira – Psicologa SMS Lages – SC

Kelly Aparecida Martins – Médica SMS Lages – SC

Ludimara de Oliveira Rosa – Enfermeira Obstetra HTR – SC

Nayara Alano Moraes – Vice Coord. Rede Cegonha Serra Catarinense – Enfermeira Obstetra- SMS Lages – SC

Priscila Gomes Almeida – Cirurgiã Dentista SMS Lages – SC

Renata Meurer Tausendfreund Laidens – Enfermeira Obstetra SMS Lages – SC

Simone Silva Santos – Assistente Social – SMS Lages – SC

Bruna Correa Vaz – Enfermeira e Coord. do CEASM – Lages – SC