Os profissionais da saúde precisam de mais do que palmas nas janelas

A romantização do trabalho dos profissionais da saúde, expostos na linha de frente do combate ao novo coronavírus, é bonita, mas deve ter limites. Afinal, embora pareçam, eles não são super-heróis e estão adoecendo e morrendo na luta contra a pandemia. Homenagens e aplausos nas varandas confortam o coração, mas médicos e enfermeiros também precisam de valorização real na labuta, afinal exercem uma profissão que não se resume a um sacerdócio.

Falta de equipamentos de proteção individual (EPI), plantões exaustivos, jornadas de trabalho estendidas, distanciamento da família, perda de colegas… Isso é apenas parte do cenário que os trabalhadores da saúde estão enfrentando nesta pandemia, segundo a técnica em enfermagem Ana Miranda. A profissional trabalha no Instituto Dr. José Frota (IJF), um hospital terciário, referência em traumas, que precisou adaptar uma ala para pacientes com covid-19 em Fortaleza – capital de um dos estados brasileiros mais afetados pela pandemia.

Ana sabe bem o que diz, pois acompanha de perto servidores afastados por sintomas respiratórios e pânicos psicológicos consequentes da pandemia. Foi pensando em uma forma efetiva de reconhecimento aos profissionais da saúd

Ana agradece os gestos de reconhecimento que médicos, enfermeiros e técnicos estão recebendo de parte da sociedade, mas espera que todas as pessoas possam demonstrar valorização de forma mais efetiva. Ela deseja que os parlamentares se empenhem na votação do projeto de lei, votando-o com máxima urgência. E para a população, deixa um apelo:

“Peço encarecidamente à população: não faça o vírus transitar. Ele é invisível, mas é potente. Fique distante hoje para poder abraçar amanhã”, pede. “Nós saímos de casa para o nosso trabalho, para a linha de frente, por vocês. Fiquem em casa por nós, nós não podemos, mas vocês podem”, clama a técnica de enfermagem, que já recebeu o apoio de 24 mil pessoas na campanha pela concessão de 40% de adicional de insalubridade a esses trabalhadores.

A mobilização, em forma de um abaixo-assinado aberto na plataforma Change.org, pede por adicional de insalubridade de 40% a esses trabalhadores durante a crise.

“Cada vez que tomamos conhecimento de um colega afastado, por suspeita ou confirmado [com o novo coronavírus], todos os profissionais sentem. Na realidade ficamos pensando: ‘será que serei o próximo?’. Quando  um colega consegue sair de alta curado, respiramos aliviados, mas quando o colega vai a óbito, todos morremos um pouco”, entristece-se Ana. A técnica em enfermagem já viu colegas irem parar na UTI, em estado grave, e conta que, no último domingo (29), um deles morreu no hospital onde ela trabalha.

A profissional, que integra um sindicato em Fortaleza, monitora a distribuição dos EPIs, como máscaras, avental, óculos de proteção e luvas, nos hospitais, e conta que às vezes os profissionais precisam “improvisar” para driblar a escassez dos equipamentos. “Há carência de EPIs, aí cobramos e a coisa melhora um pouco, depois volta a escassez”, diz. “Muitas vezes improvisam da melhor forma. Contudo, na ala da covid a reclamação maior é da qualidade.”

Ana conta que a rotina é difícil para quem atua na linha de frente. “Os plantões têm sido exaustivos, mesmo com contratação de mais profissionais”, comenta. “O manuseio dos EPIs deve ser bem criterioso, pois aumenta bastante os riscos de contaminação. O uso do material tem que ser racional, por isso ir ao banheiro ou tomar água precisa ser muito pensado.”

A técnica em enfermagem diz que o profissional da saúde tem “grande amor à profissão” e a enxergam como uma missão especial de cuidar das pessoas, mas não esconde o misto de medo e decepção que se abateu sobre eles com a pandemia do coronavírus. “Tememos nos contaminar, tememos muito mais levarmos contaminação para nossos familiares. E quando nos deparamos com pessoas que desnecessariamente continuam ignorando a necessidade do isolamento social, ficamos muito tristes e decepcionados”, fala.

O Ceará, onde Ana atua, já está com 90% dos leitos de UTI ocupados. A capital, Fortaleza, conta com um hospital de campanha e o governador Camilo Santana (PT) requisitou mais dois hospitais privados que estavam desativados. Até esta terça-feira (28), o número de casos registrados no estado já alcançava 403 mortes por covid-19 e 6.918 infectados.

Apesar das dificuldades, a técnica em enfermagem, que exerce a profissão há 28 anos, se diz “presenteada por Deus” com o dom de amar e cuidar das pessoas. Segundo ela, essa missão de “cuidar” gera nos profissionais o sentimento de ser responsável por alguém. “Então, trancamos nosso medo no armário, fingimos que somos fortes e vamos à luta.”

Indo além dos aplausos – O abaixo-assinado de Ana segue aberto, na plataforma Change.org, e reunindo mais assinaturas com o objetivo de pressionar os deputados a votarem o PL. A petição faz parte de um movimento de enfrentamento ao coronavírus, que conta com mais de 200 abaixo-assinados que propõem soluções e alternativas para combate às consequências geradas pela pandemia.