Fique em casa, pede enfermeiro Wanderson Oliveira, ao deixar Ministério da Saúde

O enfermeiro Wanderson Oliveira publicou carta aberta reafirmando seu compromisso com a ciência e a epidemiologia, após deixar o cargo de secretário de Vigilância em Saúde. A exoneração se concretizou na segunda-feira e foi publicada nesta terça-feira.  Na despedida, Wanderson citou “uma pedra no caminho” do combate à doença, usando verso do poeta Carlos Drummond de Andrade para se referir às interferências no trabalho do Ministério da Saúde, e pediu que a população fique em casa. O Brasil se a cerca de 400 mil casos, com 25 mil mortos, e a previsão é de que o número possa chegar a 100 mil em agosto, sem medidas rígidas de isolamento social.

“A exoneração aconteceu em uma data muito simbólica: aniversário da Fiocruz, que luta há 120 anos pela saúde pública e é conduzida por pesquisadores, epidemiologistas e sanitaristas civis das diversas áreas do conhecimento”, afirma o secretário, que homenageou a fundação, referência em pesquisa, formação, produção de insumos em saúde e, especialmente, no combate à doenças infecto-contagiosas.

Mestre e doutor em epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com formações realizadas em centros de excelência, incluindo a Universidade John Hopkins, nos EUA, Universidade de Brasília e EpiSUS, Wanderson foi o primeiro enfermeiro a assumir um cargo no primeiro escalão do Ministério da Saúde.

Braço direito de Mandetta, Wanderson colocou o cargo a disposição com a saída do ministro, em abril, mas foi convidado a permanecer no ministério, sempre defendendo políticas de Saúde baseadas em evidências. “O ministro Nelson Teich seguiria pelo mesmo caminho [de Mandetta]. Lamentavelmente não teve tempo de mostrar seu trabalho, pois novamente “tinha uma pedra no meio do caminho”, afirmou, em mensagem de despedida.

Esta carta é para você!
 
É preciso encontrar aquilo que você ama, seja em relação ao trabalho ou vida afetiva. Isso se torna mais importante em tempo de quarentena (#fiqueemcasa).
 
Estão certos aqueles que valorizam o trabalho e eu nunca discordei disso, pois é parte importante na vida de cada pessoa, além de ser a única maneira de sentir satisfação completa e amar o que se faz. Seja a atividade mais simples até a mais complexa, caso ainda não tenha encontrado, sugiro continuar procurando – e não se acomodar. Eu vivo em plenitude, pois faço o que amo! Epidemiologia é minha vida!
 
Tudo é transitório, é o princípio da impermanência que pode nos servir de inspiração para alcançar a plenitude espiritual e emocional, auxiliando na compreensão da morte sem temor e na vida sem medo. Quando aceitamos que tudo é transitório ocorre um efeito duplo: a dor pode ser mais suportada e evitamos a constante busca pelo prazer efêmero.
 
Ao longo de meus 47 anos de vida, especialmente após o nascimento da minha filha em 2017, passei a me perguntar diariamente: “se hoje fosse o último dia de minha vida, eu desejaria mesmo estar fazendo o que faço?”.
 
De modo geral eu chego a conclusão que sim, eu amo a epidemiologia e me preparei para isso mesmo. Não poderia esperar que a maior pandemia do século chegaria às minhas mãos, no auge de minha carreira, com a melhor equipe e o melhor ministro, para planejar a estratégia, pensar em ações, definir objetivos, metas, comunicar diariamente o que sabíamos, o que não sabíamos e o que estávamos fazendo para aprender sobre a nova doença, salvar vidas e empregos. Esta sempre foi a orientação de Mandetta.
 
Estávamos à frente pelo menos duas semanas em relação aos demais países da Europa e Américas, ampliando a capacidade laboratorial, leitos, EPIs e Respiradores. No entanto, como dizia o poeta e conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”.
 
Em 14 de abril passado, foi realizada uma tensa coletiva de imprensa no Palácio do Planalto. Na manhã seguinte, me olhei no espelho, fiz novamente a pergunta e pela terceira semana consecutiva, onde a permanência era incerta, a resposta foi NÃO. Pelo bem de minha saúde e de minha família, era hora de deixar o caminho livre para novas ideias, novas pessoas e novas estratégias.
 
Por isso eu digo, quando você olhar no espelho e a resposta for “não”… está na hora de mudar alguma coisa. Foi assim que começou minha decisão de sair, concluída ontem, 25 de maio de 2020, quarenta dias após a primeira solicitação.
 
A exoneração aconteceu em uma data muito simbólica: aniversário da FIOCRUZ, que luta há 120 anos pela saúde pública e é conduzida por pesquisadores, epidemiologistas e sanitaristas civis das diversas áreas do conhecimento. Conseguiram ao longo de mais de um século erradicar varíola e eliminar poliomielite, rubéola, chagas vetorial além de várias doenças. Uma instituição pública que é patrimônio do Estado Brasileiro, passou por muitos governos de diversos matizes ideológicos e assim, continuará. Vida longa à Fiocruz!
 
“Não esmorecer para não desmerecer” (Oswaldo Cruz)
 
Foram 17 meses de fortes emoções, começando 2019 com o desastre em Brumadinho/MG, maior tragédia da saúde do trabalhador no Brasil, em seguida tivemos que enfrentar as mortes por influenza em Manaus/AM, perda do certificado de área livre de sarampo, resultado de baixas coberturas vacinais históricas desde 2015 e que ainda vai afetar milhares de crianças, pois a COVID-19 está dificultando as campanhas.
 
Logo na posse, assumi o meu maior compromisso com o Conselho Nacional de Saúde, por meio do Presidente Fernando Pigatto trabalhei para implementar a Resolução 588 que estabeleceu a Política Nacional de Vigilância em Saúde, aprovada pela sociedade brasileira em 2018.
 
Agradeço a todos equipe da SVS: Sônia Britto, Daniela Buosi, Gisele Vianna, Gerson Pereira, Júlio Croda, Suzie Gomes, Eduardo Macário, Geraldo Ferreira, Eunice Lima, Greice Madeleine, Marcelo Wada, Glaucio, Luciana, Isabela, Ivo, Ieda, Elaine, Wanderson, Alexandre, Aide, Cleia, Aide, Denise, Giovanny, Luiz Paulo, Guida, Vitor, Andressa, Solange, Roseli e tantos outros que nem caberia nessa pequena carta e peço desculpas por não nominá-los, mas sintam-se todos abraçados e agradecidos. São mais de 1.700 trabalhadores da SVS que atuam em Brasília e em Belém no Instituto Evandro Chagas e Centro Nacional de Primatas.
 
Não poderia deixar de agradecer ao meu mestre e amigo Luiz Henrique Mandetta um dos melhores ministros com quem trabalhei – olha que já foram 13 desde 2001 quando entrei na gestão do Ministro José Serra. Mandetta, Agenor e Temporão estão no hall dos melhores com quem já trabalhei diretamente.
 
Parabéns à melhor equipe de secretários do mundo… Erno, Gabbardo, Francisco, Denizar, Robson e Mayra. Contamos com toda equipe do Gabinete e meus conterrâneos Ciro e Juliana que fizeram mais leve cada momento. Meu amigo Alex que hoje está na Anvisa e tantos outros como Thaisa que está comendo um churrasco de tira no Uruguai com sua família. Ou seja, TODOS SEM EXCEÇÃO, copeiros, seguranças, secretárias, fotógrafos e tantos outros que com muito carinho, respeito e espírito de equipe participavam de tudo. Cada decisão compartilhada e dividida democraticamente. É foi assim que fizemos uma gestão de sucesso!
 
O ministro Nelson Teich seguiria pelo mesmo caminho. Lamentavelmente não teve tempo de mostrar seu trabalho, pois novamente “tinha uma pedra no meio do caminho”. Nesse curto espaço de tempo, apesar de não me conhecer direito, após duas semanas, efetivamente me convidou para permanecer. Creio que faríamos um ótimo trabalho, mas aí entra o princípio da impermanência…
 
Por fim, agradeço ao Ministro Eduardo. Desejo sucesso na condução desse grande desafio. Coloco- me ao seu dispor quando precisar. Lamento não ter tido a oportunidade de lhe apresentar os elementos das decisões adotadas na minha gestão. Deixo documentado no Relatório de Gestão 2019-2020 publicado no site da SVS e entregue pessoalmente. É importante se atentar para outros problemas além da COVID-19.
 
Sobre a resposta à Pandemia de COVID-19, seria muito bom conhecer o contexto de cada decisão que foi tomada, pois nem tudo que se vê é o que parece, nem tudo que parece é o que realmente é. Há muita história em cada decisão que deve ser contextualizada ao seu tempo.
 
Apesar de não ser da saúde, mas um exímio e reconhecido estrategista, rogo para que valorize o espaço tripartite em diálogo franco com o Conass, Conasems e Conselho Nacional de Saúde (CNS).
 
O CNS foi criado em 1941, durante a 2ª Guerra Mundial. As Forças Armadas sempre tiveram papel importante na estruturação da vigilância epidemiológica. Foi durante o 5º encontro do CNS em 1975, onde em resposta à epidemia de meningite que grassou pelas comunidades de São Paulo e matou pessoas de todos os níveis sociais do país, e entendendo a gravidade do momento, por meio do Presidente Geisel, foi criado o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, LEI 6.259/1975, ainda vigente e também disposto no Art. 200 da CF. Reitero que estarei a disposição da SVS e do Ministério da Saúde para explicar as ações adotadas a qualquer momento e ajudar o país na transição para um novo normal. Obrigado!
 
Wanderson Kleber de Oliveira
Enfermeiro Epidemiologista
Servidor Público Civil
Atuou como Secretário Nacional de Vigilância em Saúde de jan/2019 a 25 de maio de 2020.
 

Fonte: Ascom – Cofen