Expostos e sem valorização, jovens podem desistir da Enfermagem

Afinal, por que estudantes vão escolher seguir em uma profissão que trabalha à exaustão e recebe salário mínimo?

O esgotamento, a desvalorização e a falta de perspectivas estão levando estudantes e profissionais de Enfermagem a desistir da carreira. Com o aprofundamento da pandemia e sem apresentar soluções estruturais para os problemas do sistema de saúde, estados, municípios e empresas já começam a sentir falta de profissionais qualificados e disponíveis no mercado de trabalho. O motivo é simples, afinal: por que jovens vão seguir em uma profissão que exige extensa formação, trabalha à exaustão e recebe salário mínimo?

Baixos salários e exaustão afastam jovens da carreira

O êxodo profissional que começa a ser sentido no Brasil também já foi constatado em outras partes do mundo. Entre julho e setembro de 2021, o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra (NHS, em inglês) perdeu 33 mil profissionais de saúde. Um mês após o outro, esse número só aumenta. Esgotados e sem esperanças de que a situação mude, cresce a cada dia o número de enfermeiros, técnicos e auxiliares ingleses que desistem da profissão para cuidar da saúde mental e seguir outra carreira.

“Desde o final da segunda onda, tive pesadelos, ataques de pânico, insônia, mudanças de humor. Minha vida pessoal estava entrando em colapso. Pensei em suicídio. Vi um paciente da minha idade se despedir por um tablet de sua filha. Poucos minutos depois, ele estava morto. Comecei a sonhar com seus olhos à noite”, lembra Joan Pons Laplana, ex-enfermeiro do NHS, que se demitiu e hoje trabalha em um programa de acesso ao emprego voltado a jovens com deficiência.

Alex, enfermeiro psiquiátrico do NHS que prefere não se identificar, afirma que sua carga de trabalho aumentou 25% durante a pandemia, com mais pacientes e mais responsabilidade. “Eu me senti tratado como um número. Comecei a me sentir deprimido”, explica ele, que decidiu mudar de trabalho e hoje ajuda vítimas de escravidão moderna e violência de gênero. “Tenho um salário parecido, mas muito menos estresse e mais reconhecimento”, conclui.

Segundo Sarah Gorton, presidente do sindicato da categoria (Unison, em inglês), antes da pandemia, já havia um déficit de 100 mil trabalhadores no NHS. “A situação atual aumentou a pressão e muitos não aguentam mais, estão desistindo”, diz. Para ela, os principais motivos são os baixos salários, as jornadas excessivas, o assédio moral por parte de chefes e pacientes, turnos sem fim e falta de perspectivas de futuro na profissão. Ainda faltam dados oficiais, mas, segundo a presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Betânia Santos, o mesmo fenômeno está ocorrendo no Brasil.

“Estamos alertando para o êxodo de recursos humanos na área da saúde e, se nada for feito, vai faltar profissionais de Enfermagem para atender a população brasileira em breve. É necessário regulamentar o piso salarial e a jornada desses trabalhadores, pois se continuarem sendo explorados da forma como estão, os jovens vão se afastar, vão seguir outro caminho e o país vai sair prejudicado. Para evitar evasão e retrocessos na área da saúde, é urgente e necessário desenvolver políticas efetivas de valorização profissional”, considera a presidente do Cofen.

Dignidade Salarial – Após aprovação unânime no Senado, a Enfermagem luta agora para pautar o PL 2564/2020 na Câmara.  A proposta do senador Fabiano Contarato (PT-SP), que tramita nos termos da emenda da senadora Eliziane Gama  (Cidadania-MA), estabelece piso de R$ 4.750 para enfermeiros e pisos proporcionais de 70% do valor para os técnicos e 50% auxiliares e parteiras, corrigidos pelo INPC (Índice de Preços ao Consumidor). Ontem, na Câmara, o Cofen apresentou dados sobre a viabilidade do PL, ao grupo de trabalho (GT) da Câmara que estuda o impacto orçamentário e financeiro do projeto.

 

Fonte: Ascom – Cofen, com informações da BBC/Londres