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COREN-SC e ABENFO-SC se posicionam CONTRÁRIOS a Projeto de Lei que amplia acesso à cesariana eletiva em Santa Catarina

Entidades destacam riscos à saúde materna e neonatal, impacto financeiro no SUS e retrocesso em relação às políticas de humanização do parto e nascimento.

25.09.2025

O Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (COREN-SC) e a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras – Seção Santa Catarina (ABENFO-SC), vêm a público manifestar seu posicionamento contrário à proposta do Projeto de Lei que garante à gestante o direito à cesariana eletiva a partir da 39ª semana de gestação, no âmbito da rede pública de saúde estadual. O Projeto de Lei em análise, embora reconheça a importância da autonomia da mulher, ignora de forma preocupante os riscos associados à cesariana eletiva sem indicação clínica e desconsidera os avanços científicos, normativos e éticos que estruturam a Política Nacional de Atenção Humanizada ao Parto e Nascimento no Brasil. A seguir, apresentam-se fundamentos que contrapõem esta proposta legislativa, nos seguintes termos:

1. Em defesa da autonomia da mulher com base no consentimento livre e esclarecido

Reconhecemos que a autonomia da mulher é um princípio fundamental na atenção à saúde reprodutiva, sendo um direito garantido pela Constituição Federal, pela Lei nº 8.080/1990 (BRASIL, 1990) e por diretrizes bioéticas (BRASIL, 2011; SANTOS; SCHMIDT, 2017). No entanto, defendemos que o exercício pleno dessa autonomia deve ocorrer com base em informações qualificadas, acessíveis, contextualizadas e fundamentadas em evidências científicas, assegurando o consentimento livre e esclarecido (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

Transformar a cesariana em uma opção desvinculada de critério clínico e de responsabilização das equipes de saúde representa um risco para a saúde pública edesorganiza a lógica da atenção materna segura e baseada em boas práticas (LEAL et al., 2020; VILLAR et al., 2007; BRASIL, 2013).

A Resolução CFM nº 2.284/2020, citada no Projeto de Lei, condiciona a realização da cesariana eletiva à inexistência de contraindicações clínicas e à obtenção do consentimento da gestante após esclarecimentos prestados, preferencialmente durante o pré-natal (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2020).

No entanto, o Projeto de Lei em questão flexibiliza de maneira imprudente esses critérios, ao permitir que a decisão pela cesariana ocorra inclusive durante o trabalho de parto, um momento em que as condições clínicas e emocionais da mulher podem não favorecer uma escolha informada e segura (BRASIL, 2012; WHO, 2018). Essa flexibilização compromete os princípios da boa prática obstétrica, baseada na autonomia com responsabilidade, no diálogo entre equipe e gestante e na priorização da fisiologia do parto quando clinicamente possível (BRASIL, 2011; WHO, 2014).


2. A cesariana eletiva sem indicação clínica: uma intervenção com riscos evitáveis

A cesariana é um procedimento cirúrgico que salva vidas quando bem indicado, mas sua realização sem justificativa clínica aumenta os riscos maternos e neonatais. Segundo aOrganização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015), taxas de cesariana acima de 10–15% não estão associadas à redução de mortalidade materna ou neonatal e podem gerar danos significativos, tais como:

  • Infecções puerperais, hemorragias, complicações anestésicas, aderências e riscos em futuras gestações (LEAL et al., 2020; VILLAR et al., 2007);
  • Maior incidência de dificuldades respiratórias em recém-nascidos (VILLAR et al., 2007);
  • Redução do aleitamento precoce e do contato pele a pele (BRASIL, 2012);
  • Aumento da hospitalização neonatal e de intervenções dolorosas desnecessárias (LEAL et al., 2020).[1] 

A literatura científica e os consensos internacionais recomendam apromoção do parto vaginal como via de parto preferencial, salvo contraindicações clínicas devidamente justificadas (WHO, 2015; BRASIL, 2012; VILLAR et al., 2007).


3. O papel da Atenção Primária à Saúde (APS) na promoção do parto seguro

A proposta do projeto desconsidera o papel estratégico da Atenção Primária à Saúde (APS) no acolhimento da gestante e na construção de um plano de parto seguro e consciente. É na APS que se estabelece o vínculo longitudinal com a mulher, se fortalecem ações educativas sobre os processos fisiológicos do parto e se identificam precocemente fatores de risco (BRASIL, 2012; STARFIELD, 2002).

Fortalecer a APS, com atuação multiprofissional, protagonismo da Enfermagem e abordagem integral, é fundamental para reduzir o medo do parto vaginal, combater a violência obstétrica e favorecer experiências positivas no nascimento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011; WHO, 2018; DAVIM et al., 2020). O cuidado centrado na mulher e mediado por vínculos de confiança se mostra decisivo para a autonomia reprodutiva e a adesão informada ao parto fisiológico (MENEZES et al., 2017).


4. Humanização do parto e nascimento: diretriz do SUS e compromisso com os direitos humanos

O Brasil é signatário de diversos compromissos nacionais e internacionais voltados à humanização da atenção ao parto e nascimento, como a Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2004) e a Rede Alyne, esta última instituída após a condenação do país na Organização das Nações Unidas pela morte evitável de Alyne da Silva Pimentel (UNFPA, 2015; UNHRC, 2011).

Essas políticas reconhecem que o parto deve ser conduzido com base na fisiologia, na escuta qualificada, na autonomia com responsabilidade e na não medicalização de rotinas (BRASIL, 2011; WHO, 2018). A escolha da via de parto não pode ser reduzida à lógica da conveniência ou do consumo de procedimentos, mas deve integrar um cuidado respeitoso, seguro e centrado na mulher (WHO, 2014; BRASIL, 2012).


5. Consequências do estímulo à cesariana eletiva no sistema de saúde

Além dos riscos clínicos, o incentivo àcesariana eletiva aumenta os custos assistenciais e compromete a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Procedimentos cirúrgicos envolvem maior tempo de internação, uso de medicamentos, risco de reinternações e maior consumo de recursos materiais e humanos (BRASIL, 2012; FIGUEIREDO; GOMES, 2020; MOLINA et al., 2014).

Essa medida também acirra desigualdades já existentes, pois na prática nem todas as mulheres terão garantido esse “direito”, aprofundando as injustiças raciais, territoriais e sociais no acesso ao cuidado obstétrico de qualidade (LEAL et al., 2017; DIAS et al., 2020). Mulheres negras, pobres e das regiões Norte e Nordeste estão mais expostas à violência obstétrica, à negação de analgesia e à ausência de escolhas informadas — um reflexo da estrutura histórica de exclusão reprodutiva no Brasil (BRASIL, 2011; WHO, 2014).

Conclusão

Este Projeto de Lei, embora se apoie no discurso do “direito de escolha”, mascara um retrocesso sanitário ao naturalizar a cesariana como alternativa de preferência pessoal, em detrimento de uma escolha consciente, informada e clinicamente respaldada.

A política pública deve, ao contrário, garantir a autonomia da mulher por meio de educação, apoio e assistência qualificada na APS, fortalecendo o parto vaginal como uma via segura, fisiológica e respeitosa, e reservando a cesariana para situações justificadas clinicamente.

O COREN-SC e a ABENFO-SC reafirmam seu compromisso com a defesa do parto seguro, baseado em evidências e respeito aos direitos das mulheres. Repudiamos propostas legislativas que, sob a justificativa de garantir escolhas, e que, em verdade, fragilizam o cuidado integral, promovem a cesariana sem critério clínico e desorganizam os princípios do SUS.

Conclamamos os parlamentares e gestores públicos a investir na formação das equipes multiprofissionais, no fortalecimento da APS e das maternidades de referência, no Centros de Parto Intra e Peri Hospitalares e na ampliação do acesso a práticas baseadas em evidências que promovam o parto humanizado, seguro e respeitoso.


Confira todas as referências e o documento na íntegra:

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